Os computadores também sonham? (Erick Felinto)

May 28, 2018



Como vive nossa sociedade? Como a tecnologia afeta a nossa cultura e existência? O que é cibercultura e como ela se relaciona com o chamado imaginário tecnológico? Em Os computadores também sonham? Para uma teoria da cibercultura como imaginário, Erick Felinto aborda estas e outras questões da relação homem-tecnologia.
Vivemos hoje um momento de inaudito fascínio com o desenvolvimento dos meios de comunicação. A miniaturização das tecnologias de comunicação, bem como sua crescente mobilidade, presentes em aparatos como telefones celulares, palmtops e notebooks tornaram a comunicação mediada um fenômeno tão ubíquo que já não é mais possível escapar do mandado da comunicação (p.3)
A cibercultura representa, nesse sentido, o instante supremo de realização da comunicação tecnológica: sem limites, sem fronteiras, sem ruídos – uma comunicação total (p.3)
Erick Felinto (autor)
Por outro lado, contudo, também é possível marcar uma diferença “ontológica” da cibercultura em relação a períodos precedentes. Essa diferença se radica na propalada passagem do paradigma “analógico” para o “digital”. A cibercultura assinala sua especificidade com base nesse novo modelo tecnológico, cujas características seriam inteiramente distintas do modelo anterior (p.4)
Na cibercultura, o valor supremo é a informação representada numericamente. Em outras palavras, a cibercultura promoveu uma radical “informatização” do mundo – uma visão na qual toda a natureza, incluindo a subjetividade humana, pode ser compreendida como padrões informacionais passíveis de digitalização em sistemas computadorizados (p.4)
O mapeamento do genoma humano nos computadores que desfiam as seqüências genéticas em estruturas binárias constitui talvez o melhor exemplo desse processo de “informatização” (p.4)
Sonho Coletivo de Computadores | Psicodelia 


Se o homem pode ser traduzido em partículas de informação discretas, então por que não seria possível aperfeiçoá-lo através da manipulação consciente dessas mesmas informações? (p.4)
A cibercultura constitui um universo no qual cada átomo e partícula se traduzem efetivamente em informação e comunicação. Diante dessa situação, não é de espantar a proliferação de conceitos que atravessam áreas tão distintas como a genética, as ciências sociais e as ciências computacionais (p.4)
Um desses conceitos toma corpo na estranha palavra “meme”. Cunhado pelo geneticista Richard Dawkins em seu livro The Selfish Gene (1976) 3 , o termo designa uma unidade de informação que se multiplica de cérebro em cérebro ou entre quaisquer outros sistemas de armazenamento de informação (p.4)
 A informação é, nesse sentido, um conceito-chave da cibercultura, assim como de certas interpretações contemporâneas das fundações do cosmos físico (p.4)
Que tipo de definição poderia nos ajudar a conquistar uma visão mais precisa a respeito da cibercultura? Segundo André Lemos, ela se constitui essencialmente como “cibersocialidade”, ou seja, “[...] uma estética social alimentada pelo que poderíamos chamar de tecnologias do ciberespaço” (p.5)
A presença do prefixo “ciber” em diversas outras palavras em voga – de “cibersexo” a “ciberarte” – é indicativa do caráter difuso que a cibercultura possui na contemporaneidade.  (p.5)
Que categoria poderia, portanto, unificar formas de sociabilidade, representações sociais e estéticas? Arriscamo-nos a responder com a categoria de imaginário. O imaginário, explica Hélène Vèdrine, é aquilo que “[...] trabalha, do interior, todos os sistemas e os obriga a afinar seus conceitos, quer se trate do simbólico, do estético, do conhecimento e de seus prolongamentos dirigidos à estética e à política. Ele se encontra, portanto, no centro de todos os dispositivos de saber” (p.5)
Força social central, “[...] condição inevitável da vida em sociedade” (VÈDRINE,1990, p. 10), o imaginário se encontraria na fundação de saberes, práticas e representações sociais. A complexidade e abrangência da noção são, ao mesmo tempo, sua bênção e maldição. Bênção porque permite explicar fenômenos como o de cibercultura sem eliminar nenhuma de suas dimensões possíveis; maldição porque ele nos obriga a continuar transitando em um território nebuloso, de contornos imprecisos e de cientificidade algo “frouxa” (p.5) 
Um “imaginário tecnológico” é uma espécie de força social que projeta sobre a tecnologia determinadas imagens, expectativas e representações coletivas (p.6)
A cibercultura poderia, assim, ser definida como um imaginário tecnológico fecundado a partir do paradigma (e visão de mundo) digital (p.6)
O imaginário tecnológico compreende, portanto, os processos por meio dos quais características, projetos e sonhos de determinadas época e sociedade se plasmam em aparatos materiais, bem como o impacto que esses aparatos ensejam, uma vez convertidos em realidades do cotidiano, na imaginação coletiva da cultura no seio da qual foram concebidos (p.6)
Com finalidade exclusivamente metodológica, seria possível sugerir a existência de três domínios distintos nos quais se poderia estudar o imaginário da cibercultura:
a) o domínio das comunicações, práticas e visões sociais envolvendo as tecnologias digitais;
b) o domínio das representações ficcionais nas quais se pode observar a presença de elementos ( tropos , mitemas etc.) característicos de uma visão de mundo “cibercultural”
c) o domínio das apreensões teóricas a respeito do “fenômeno cibercultura” (p.6)
Enquanto o primeiro domínio envolve o estudo dos modos como se imaginam e realizam as interações tecnológicas, bem como as imagens sociais do tecnológico (por exemplo, na publicidade), o segundo implica a análise de filmes, narrativas ficcionais (por exemplo, contos ou romances de ficção científica) ou videogames, e o terceiro abarca a investigação crítica das elaborações teóricas, de modo a nelas apontar as repercussões do imaginário tecnológico (p.7)
A cibercultura é uma ficção social para a qual colaboram até mesmo as teorias da cibercultura. E seria um grave erro desconsiderar a importância e a centralidade de nossas ficções para a vida social (p.7)
A cibercultura se manifesta como um imaginário no qual o paradigma digital chega para realizar um sonho imemorial da humanidade: a transcendência das limitações humanas, a manipulação da realidade convertida em padrões de informação, a conquista absoluta da natureza e das leis do cosmos – em uma palavra, a divinização do homo ciberneticus (p.8)
A tecnologia se apresenta como uma espécie de magia. O irracional primitivo, aparentemente expulso da cultura pelo desejo de ciência da modernidade, retorna na forma de um fetichismo tecnológico no qual as máquinas adquirem valor imanente e são pensadas como seres dotados de agência própria (p.8)

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