“The Shallows”, de Nicholas Carr

April 09, 2018


PRÓLOGO - O cão de guarda e o ladrão
Traduzido por Riverson Rios e Pedro Thiago em maio/2011

Nicholas Carr inicia o prólogo de The Shallows fazendo referência ao pesquisados McLuhan (e aos Beatles). Nesta primeira parte, Carr discorre sobre como nos acostumamos a aceitar que o erro está no conteúdo que acessamos por um meio de comunicação ou como o usamos, e não que este é, na verdade, o senhor de nós, escravos; “a mensagem é o meio”, já dizia McLuhan
Em 1964, enquanto os Beatles estavam invadindo as ondas das rádios americanas, Marshall McLuhan publicou Os meios de comunicação como extensões do homem e transformou-se de um obscuro acadêmico em uma estrela. Oracular, sentencioso e alucinante, o livro foi um produto perfeito dos anos sessenta, aquela década, agora distante, de viagens psicodélicas e tiros na lua, para dentro e para fora de si. 
McLuhan declarou que a “mídia elétrica” do século XX – telefone, rádio, cinema, televisão – estava rompendo a tirania do texto sobre nossos pensamentos e sentidos. Nosso egos, isolados e fragmentados, presos por séculos à leitura privada de páginas impressas, estavam se tornando inteiros novamente, fundindo-se no equivalente global de uma aldeia tribal. Estávamos nos aproximando da “simulação tecnológica da consciência, quando o processo criativo do conhecimento será coletiva e corporativamente alargado a toda a sociedade humana”
“O meio é a mensagem”. O que foi esquecido em nossa repetição desse aforismo enigmático é que McLuhan não estava apenas reconhecendo, e celebrando, o poder transformador das novas tecnologias de comunicação. Estava também alertando para a ameaça que esse poder representa – e o risco de ficar alheio a essa ameaça.
McLuhan entendeu que sempre que um novo meio de comunicação surge, as pessoas se envolvem naturalmente na informação – no “conteúdo” que ele traz. Interessam-se pela notícia no jornal, a música no rádio, os shows na TV, as palavras ditas pela pessoa na outra extremidade do telefone. A tecnologia de uma mídia, por mais surpreendente que possa ser, desaparece por trás de tudo o que flui através dela – fatos, instrução, entretenimento, conversa.
Quando as pessoas começam a debater (como sempre) se os efeitos da mídia são bons ou ruins, é sobre o conteúdo que elas discutem. Os entusiastas a celebram; os céticos a denigrem. 
Os termos da discussão têm sido praticamente os mesmos para cada novo meio de informação, que remonta pelo menos aos livros que saíram da imprensa de Gutenberg. Os entusiastas, com razão, louvam a corrente de novos conteúdos que a tecnologia proporciona, vendo-a como uma sinalização da “democratização” da cultura. Os céticos, com igual razão, condenam a falta de inteligência do conteúdo, vendo a mídia como uma sinalização do “emburrecimento” da cultura. O Éden abundante de um lado é o vasto deserto do outro.
Como nossa janela para o mundo e para nós mesmos, uma mídia popular molda o que vemos e como o vemos – e por fim, se a usarmos bastante, muda quem somos, como indivíduos e como sociedade.
“Os efeitos da tecnologia não ocorrem ao nível das opiniões ou conceitos”, escreveu McLuhan. Pelo contrário, eles alteram “padrões de percepção de forma constante e sem qualquer resistência”.
No fim, chegamos a fingir que a tecnologia em si não importa. É como a usamos que interessa, dizemos a nós mesmos. A implicação, confortável em sua arrogância, é que estamos no controle. A tecnologia é apenas uma ferramenta inerte, até que a usemos, e ociosa de novo quando a deixamos de lado.
Toda nova mídia, McLuhan concluiu, nos modifica. “Nossa resposta convencional a todas as mídias, ou seja, de que é como são usadas que conta, é a postura insensível do idiota tecnológico”, escreveu ele. O conteúdo de um meio é apenas “o pedaço suculento de carne oferecido pelo ladrão para distrair o cão de guarda de nossas mentes”.
Mesmo os conscientes da influência cada vez maior da rede raramente permitem que suas preocupações atrapalhem o uso e a diversão com a tecnologia. 
O computador tira nossas dúvidas com recompensas e conveniências. É um escravo tão evidente que é difícil crer que é também nosso mestre.

CAP. 1 - Hal e eu 
"Senti falta do meu antigo cérebro".

Aqui, Carr comenta a assustadora constatação de que sua memória/concentração está em constante transformação, afetada, principalmente, pela tecnologia. Uma leitura profunda, antes natural, se torna um exercício custoso e confuso. Fazendo um resgate de sua própria história com a tecnologia, Carr mostra como dissemos adeus ao nosso “antigo cérebro”.
Ultimamente, tenho tido a desconfortável sensação de que alguém, ou alguma coisa, está mexendo com meu cérebro, remapeando meus circuitos neurais, reprogramando minha memória. Minha mente não está se esvaindo – pelo que posso notar – mas está mudando. Não estou mais pensando como costumava pensar. Tenho essa sensação mais fortemente quando estou lendo.
Sempre achei fácil mergulhar em um livro ou num artigo extenso. Minha mente sempre se envolveu nas reviravoltas da narrativa ou nas mudanças de argumento, e eu passava horas passeando por longos trechos de prosa. Isso raramente acontece agora. Minha concentração começa a derivar depois de uma página ou duas. Fico nervoso, perco a trama, começo a procurar outra coisa para fazer. Sinto como se estivesse sempre puxando o meu cérebro de volta ao texto. A leitura profunda, que sempre vinha naturalmente, tornou-se uma luta. 
A Web passou a ser minha mídia predileta, o caminho para a maior parte da informação que flui através de meus olhos e ouvidos e vai direto para minha mente [...] Os ganhos são reais, mas têm seu preço. Como McLuhan sugeriu, as mídias não são apenas canais de informação. Elas fornecem o material do pensamento, mas também moldam o processo de pensamento. E o que a Web parece estar fazendo é enfraquecer aos poucos minha capacidade de concentração e de contemplação.
Não importa se estou online ou não, minha mente agora espera assimilar a informação do mesmo jeito como a Internet a distribui: num fluxo de partículas que se deslocam rapidamente. Antes eu era um mergulhador no mar das palavras. Hoje eu apenas surfo na superfície, como alguém num jet ski.
Talvez eu seja diferente, anormal. Mas não é bem assim. Quando falo de meus problemas com a leitura para os amigos, muitos dizem que estão sofrendo de males semelhantes. Quanto mais usam a Internet, mais têm de lutar para manter o foco em longos trechos escritos. Alguns se queixam de estar se tornando cabeças de vento crônicas.
Scott Karp, que trabalhava para uma revista e agora mantém um blog sobre mídia online, confessa que parou de ler livros por completo. “Eu fazia Letras na faculdade e era um voraz leitor de livros”, escreve ele. “O que aconteceu?”, especula sobre a resposta: “Será que faço todas as minhas leituras na web não porque o modo como eu leio mudou – estou sempre atrás de conveniência – mas sim porque minha maneira de PENSAR mudou?”
Parece que chegamos, como previu McLuhan, a um ponto importante de nossa história intelectual e cultural, um momento de transição entre dois modos muito diferentes de pensar. O que estamos abrindo mão em troca das riquezas da rede – e só um ranzinza se recusaria a vê-las – é o que Karp chama de “nosso antigo processo de pensamento linear”. A mente linear, calma, concentrada, sem distrações está sendo substituída por um novo tipo de mente que quer e precisa obter e distribuir informações em curtos rebentos disjuntos e por vezes sobrepostos – quanto mais rápido, melhor.
Nos últimos cinco séculos, desde que a prensa de Gutenberg tornou a leitura popular, a mente linear e literária tem estado no centro da arte, da ciência e da sociedade. Tão flexível quanto sutil, ela foi a mente criativa do Renascimento, a mente racional do Iluminismo, a mente inventiva da Revolução Industrial, até a mente subversiva do Modernismo. Mas logo poderá ser a mente de ontem.
Ler online parecia novo e livre também. Links e motores de busca traziam um suprimento infinito de palavras para minha tela, junto com imagens, sons e vídeos. Enquanto os jornais desmontavam o acesso pago, a inundação de conteúdo livre se transformava num tsunami. Manchetes 24 horas/dia apareciam na minha página inicial do Yahoo e no meu leitor de RSS. Um clique em um link levava a mais cem. Novos e-mails surgiam na minha caixa de entrada a cada minuto. Cadastrei-me no MySpace, Facebook, Digg e Twitter. Deixei as assinaturas de jornal e revistas expirar. Quem precisava deles? Quando as edições impressas chegavam, úmidas ou não, sentia que já conhecia todas as histórias.
Em 2007, uma serpente de dúvida surgiu no meu  infoparaíso. Comecei a notar que a Internet estava exercendo uma influência muito mais forte e ampla sobre mim do que meu velho PC. Não era certo gastar tanto tempo olhando uma tela de computador. Não era certo mudar tantos hábitos e rotinas à medida que ficava mais acostumado e dependente de sites e serviços da web. O próprio modo de funcionar do meu cérebro parecia estar mudando. Foi então que comecei a me preocupar com a incapacidade de prestar atenção a qualquer coisa por mais de um minuto [...] Assim como o Word tinha me transformado num processador de palavras de carne e osso, a Internet, passei a sentir, estava me transformando em algo parecido com uma veloz máquina de processamento de dados, um HAL humano.

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