Andrew Keen e O Culto do Amador

March 26, 2018


Andrew Keen é norte-americano e graduado em História na London University (Inglaterra) e pós-graduado em Ciência Política na Universidade Berkeley, na Califórnia. O escritor é conhecido por criticar a chamada Web 2.0 (a internet a partir de 2004), a qual compara com o comunismo, como uma utopia.

Em junho de 2007 Keen lançou seu famoso e polêmico livro O Culto do Amador (The Cult of the Amateur), em que aborda a atual onda de amadorismo na produção e circulação de informações, como ocorre, por exemplo, na enciclopédia colaborativa Wikipédia e redes sociais em geral.

Chamado de “anticristo do vale do silício”, o autor se mostra pessimista quanto a esta segunda fase da internet, repleta de informação não confiável, já que qualquer internauta pode ser detentor e produtor de conteúdos.


CAPÍTULO 1
A grande sedução

Keen inicia o primeiro capítulo de O Culto do Amador com sua própria história de desilusão com o Vale do Silício e seus entusiastas.

Esta, portanto, não é uma crítica usual do Vale do Silício. É a obra de um apóstata, de um insider, agora do lado de fora, que despejou sua taça de Kool-Aid e renunciou à condição de membro do culto.
A internet estava de volta! E, ao contrário do que acontecera na corrida do ouro dos anos 1990, desta vez nossa exuberância não era irracional. Essa nova e reluzente versão da internet, que Tim O’Reilly chamava de Web 2.0, iria realmente mudar tudo. Agora que a maioria dos americanos tinha acesso de banda larga à internet, o sonho de uma sociedade inteiramente conectada, e sempre conectada, seria finalmente realizado. Uma palavra estava em todos os lábios no FOO Camp em setembro de 2004. Era “democratização”.
A nova internet tinha a ver com música feita pelo próprio usuário, não com Bob Dylan ou os Concertos de Brandenburgo. Público e autor haviam se tornado uma coisa só, e estávamos transformando cultura em cacofonia.

Em certo ponto, Keen ironiza a Cauda Longa, tema amplamente abordado por Chris Anderson para tratar do sistema de nichos, que tira do foco os hits e best-sellers. Isso ocorre devido à internet e seu espaço ilimitado.

Vi os infinitos macacos (ler a teoria de  teoria de Huxley), é claro, digitando à larga. E vi também muitos outros espetáculos estranhos, inclusive um vídeo de pinguins andarilhos que vendiam uma mentira, uma “cauda longa” supostamente infinita, e cães conversando um com o outro online. Mas o que estive observando se parece mais com Os pássaros de Hitchcock do que com Dr. Doolittle: um filme de horror sobre as conseqüências da revolução digital. 
Porque a democratização, apesar de sua elevada idealização, está solapando a verdade, azedando o discurso cívico e depreciando a expertise, a experiência e o talento. Como observei antes, está ameaçando o próprio futuro de nossas instituições culturais.
Eu chamo isso de a grande sedução. A revolução da Web 2.0 disseminou a promessa de levar mais verdade a mais pessoas — mais profundidade de informação, perspectiva global, opinião imparcial fornecida por observadores desapaixonados. Porém, tudo isso é uma cortina de fumaça. O que a revolução da Web 2.0 está realmente proporcionando são observações superficiais do mundo à nossa volta, em vez de análise profunda, opinião estridente, em vez de julgamento ponderado. O negócio da informação está sendo transformado pela internet no puro barulho de 100 milhões de blogueiros, todos falando simultaneamente sobre si mesmos.
Nós — aqueles que querem saber mais sobre o mundo, os que são os consumidores da cultura convencional — estamos sendo seduzidos pela promessa vazia da mídia “democratizada”. Pois a conseqüência real da revolução da Web 2.0 é menos cultura, menos notícias confiáveis e um caos de informação inútil. Uma realidade arrepiante nessa admirável nova época digital é o obscurecimento, a ofuscação e até o desaparecimento da verdade.

A reflexão de Keen nos lembra a atual confusão mundial acerca das fake news e suas consequências. Afinal, com a internet, está mais difícil chegar à verdade?

A verdade, parafraseando Tom Friedman, está sendo “achatada” à medida que criamos uma versão sob solicitação, personalizada, que reflete nossa própria miopia individual. A verdade de uma pessoa torna-se tão “verdadeira” quanto a de qualquer outra. Hoje a mídia está estilhaçando o mundo em um bilhão de verdades personalizadas, todas parecendo igualmente válidas e igualmente valiosas. 

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